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Restaurante a quilo e serviço self-service correm risco de serem extintos

O quilo nosso de todo dia vai mudar - e pode até mesmo acabar- diante da pandemia do coronavírus


O "novo normal" para os restaurantes pode ser muito diferente daquele que cozinheiros e clientes estão acostumados. Além das estimativas nada otimistas para o setor (as previsões são de que 20% deles fechem após), muitas mudanças terão que ser adotadas pelos estabelecimentos para abrirem de novo ao público.

Mas a pandemia do novo coronavírus coloca especialmente em risco um dos modelos mais bem sucedidos de restaurantes no mundo todo: os buffets. Populares em muitos países (como nos EUA, de onde surgiu o termo "à americana"), aqui no Brasil eles se propagaram nos self-service e nos serviços "a quilo".

"A Abrasel estima que sejam 270 mil deles espalhados pelo país", afirma Paulo Solmucci Júnior, presidente executivo da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). Em algumas cidades, os restaurantes a quilo representam 60% do mercado, segundo o Sebrae.

Negócios desse gênero devem sofrer mais por conta da exposição a que submetem um maior número de pessoas. Superfícies comumente tocadas, como se servir através de pegadores e talheres compartilhados, podem ser um mecanismo de propagação do vírus — ainda que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já tenha declarado que os alimentos, em si, não constituem risco de contaminação (tanto crus ou cozidos).

Nova realidade

No Rio de Janeiro, onde grande parte dos estabelecimentos já puderam voltar a reabrir, um decreto da prefeitura da cidade prevê que os restaurantes com buffet só poderão funcionar em uma fase posterior da retomada.

Para isso, deverão contar no futuro com um funcionário exclusivo para servir a comida aos clientes — que não poderão se aproximar da estação de alimentos. Empresários afirmam que a medida inviabilizaria o serviço.

Restaurantes com buffet, vale lembrar, englobam uma variedade imensa de restaurantes, dos "quilões" às churrascarias, de serviços de comida japonesa a cassinos e até hotéis. No mundo todo, há uma grande quantidade de negócios que se apoiam neste modelo, principalmente pela praticidade que representam.

Muitos já começam a sentir os impactos da pandemia. Em maio, a rede americana de restaurantes de buffet Souplantation fechou permanentemente 97 unidades pelo país. Em respostas às dúvidas da própria população americana, o FDA, órgão de controle sanitário do país, disse que recomenda "que os buffets de autoatendimento sejam descontinuados".

Os últimos da fila

No Canadá, uma pesquisa feita no início de junho com mais de 1.500 pessoas mostrou que 52% delas pretendem esperar alguns meses para voltar a frequentar restaurantes. Os estabelecimentos com buffet estavam em último da lista.

No país, um surto do novo coronavírus ocorrido em março entre vários médicos levantou a suspeita de que eles tenham sido contaminados justamente em um restaurante de buffet que todos eles frequentaram em um encontro na cidade de Edmonton.

Já no Brasil, os dois principais órgãos de representação dos restaurantes criaram manuais de normas e condutas para esses modelos de estabelecimentos, sem fazer nenhum tipo de recomendação mais drástica, como a de que eles devem descontinuar os serviços ou mudar seus modelos.

"Cabe a cada gestor, de acordo com as possibilidades do negócio, verificar se quer seguir desta forma ou migrar para outro foco", respondeu a Associação Nacional de Restaurantes (ANR) aos questionamentos do Nossa. A recomendação é que os estabelecimentos adotem protocolos relacionados às boas práticas para garantir proteção aos clientes e colaboradores.

Mudança de procedimentos

Entre elas, tanto a ANR quanto a Abrasel indicam incentivar a lavagem das mãos, disponibilizar álcool em gel 70% de fácil acesso aos clientes e organizadores de fila que mantenham um metro de distância entre as pessoas e também instalação de barreiras físicas nos equipamentos, preferencialmente com fechamentos laterais e frontal.

Nas diretrizes da ANR, há ainda uma recomendação da "presença de um colaborador informando os clientes quanto a lavagem de mãos e utilização de álcool em gel" e se atentar para "porções menores, para que a reposição seja frequente".

Já a Abrasel recomenda a disponibilização de luvas descartáveis ou "guardanapos de papel na entrada dos buffets" para que os clientes se sirvam e ainda "talheres higienizados em embalagens individuais". Uma recomendação no guia da entidade voltada aos restaurantes a quilo indica: "repense o cardápio para a nova situação".

No caso do autoatendimento, a solução será adotar as recomendações que serão estabelecidas no protocolo do órgão fiscalizador da cidade ou estado onde estabelecimento estiver instalado.

Reabertura sem buffet

Em antecipação ao que pode ser o futuro do setor com a insegurança por parte dos clientes, alguns restaurantes já decidiram abdicar do sistema de buffet por hora. É o caso do Capim Santo, da chef Morena Leite, com unidades em São Paulo e também no Rio de Janeiro.

"No primeiro momento vamos reabrir sem o serviço de buffet", afirma a chef, que faz uma cozinha caseira com foco em alimentação saudável. "Vai haver uma queda natural no movimento, por tudo o que estamos passando, e precisamos sentir aos poucos como as coisas vão caminhar", ela diz

Morena projeta voltar com 60% do movimento antigo. Calculando a operação de buffet, que exige um giro grande de pessoas para não haver desperdício de alimentos, a frequência na retomada não justifica manter o buffet, de acordo com a chef.

Os restaurantes vão adotar, na fase inicial, um menu em que o cliente pode montar seu prato escolhendo uma proteína e os cinco acompanhamentos (entre diferentes tipos de arroz e de feijão, além de opções de farofas e saladas).

"Já estamos fazendo algo semelhante no menu de delivery do Capim Santo de São Paulo com bom resultado", diz. Além disso, haverá sempre sugestões de prato do dia já montado, no estilo "sugestão da chef". Isso pelo menos para essa fase de retomada, ela explica, para sentir como as coisas vão andar.

"Ao longo desse caminho poderemos fazer novas adaptações. Até acharem uma vacina, teremos que adotar alternativas".

Mas a chef crê que isso é uma fase e que no ano que vem (com a vacina) os restaurantes poderão adotar novamente esses tipos de serviço.

Chega de desperdício

Em outros negócios, a mudança pode ser permanente. Há 33 anos, a Cochilha do Sul, em Campinas, no interior de São Paulo, oferece seu rodízio acompanhado do buffet com mais de 40 opções entre saladas e outros acompanhamentos. Mas agora, com a pandemia, deve eliminar o serviço.

"No passar dos anos, o buffet virou um atrativo das churrascarias, que passaram a incluir muitas opções, até peixes e frutos do mar, por exemplo, que descaracterizaram o segmento", afirma o proprietário Alexandre Ongaratto. Sua família está ligada à história do surgimento do chamado "espeto corrido", que nasceu no Rio Grande do Sul e deu origem aos rodízios por todo o país — e pelo mundo.

Ele diz que o buffet também se tornou uma parte complicada da operação. "Tivemos que investir ao longo dos anos para melhorar nossas opções. Mais funcionários na cozinha, comprar muitos ingredientes. O que me incomodava é que, ao final de cada serviço, tínhamos que descartar tudo o que sobrava", ele diz.

Pela manipulação feita nos alimentos, os órgãos de fiscalização exigem o descarte. "Já me doía ter que jogar comida fora, na situação atual ainda mais. A questão de custo e de desperdício já me motivavam a eliminar o buffet, agora com a pandemia chegou a hora de tomar essa decisão", afirma Ongaratto.

Ele acredita que seguir as recomendações sanitárias para manter o formato (como trocar os pegadores toda hora, obrigar os clientes esperarem) poderia deixar o serviço pouco viável, no sentido que ele se torna mais moroso e até desagradável. "Impor aos clientes uma série de passos e procedimentos para poder se servir de salada me parece pouco atrativo", diz.

Menor contato possível

Como alternativa, ele diz está se organizando para que as saladas e acompanhamentos sejam levados direto à mesa, com o menor contato possível. "Acredito que o cliente, por mais que estranhe, deve ver com bons olhos a mudança. No final, estamos cuidando de preservar as pessoas, que é o mais importante no momento", acrescenta.

Diante de um novo cenário, algumas adaptações serão necessárias e ainda estão em discussão entre agentes de saúde, gestores e entidades do setor para encontrar os melhores caminhos. A ANR afirma que nenhuma imposição é positiva, "mas que com diálogo será possível encontrar as melhores práticas para retomar as atividades com foco na segurança e na saúde de clientes e colaboradores".

Para Ongaratto, a pandemia pode ser uma chance para os restaurantes se adaptarem e buscarem formas de repensar seus serviços e custos, especialmente em um momento de recessão econômica, em que os negócios deverão receber menos clientes.

"A pandemia veio mostrar que precisamos mudar hábitos e valores. Nem sempre é fácil, mas talvez devemos começar a ver o que podemos fazer diferente", conclui.


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